Espiritualidade Itinerante

“Aceita as surpresas que transtornam teus planos
Derrubam teus sonhos,
Dão rumo totalmente diverso ao teu dia e,
Quem sabe,
A tua vida.
Não há acaso.
Dá liberdade ao Pai,
Para que Ele mesmo conduza a trama de teus dias” 
 

- Hélder Camara -

I- Espiritualidade da Equipe Itinerante

1- Itinerante
A expressão “espiritualidade itinerante” evoca leveza e movimento em novas direções. Pressupõe abertura espiritual suficiente para compreender o que diz o Espírito, deixando-nos conduzir por Ele, em nosso tempo e neste lugar concreto que é a Amazônia.

2- Para além da “itinerância geográfica”
Existe a “itinerância geográfica” que consiste em estar disponível para ir e estar em qualquer lugar onde mais precisar. Porém, o que deve sustentar esta itinerância geográfica é uma “atitude itinerante interior”, bem mais exigente que a própria mobilidade externa. Trata-se de sair dos nossos esquemas mentais... das nossas obras... estruturas ou organizações pastorais... da nossa visão cultural das coisas... da nossa própria experiência religiosa... Isto para ir ao encontro do diferente numa atitude de escuta e acolhida. A “atitude itinerante” nos custa mais, por criar maior insegurança em nós. Mas é ela que deve alimentar nossa espiritualidade.

3- A serviço dos pobres
Trata-se de uma espiritualidade em gestação continuada que exige criatividade, abertura , desprendimento de poder e sensibilidade humana. É isso que nos aproxima e desperta para um discernimento de identificação com os pobres e a serviço deles.

4- A Bíblia como inspiração
A inspiração é bíblica. É interpretando os mais remotos personagens bíblicos , que compreendemos que a Vontade de Deus supõe um sair e um caminhar confiante ao lado d’Aquele que chama e envia rumo aos excluídos somando forças com diversas pessoas e entidades que se afinam com a causa da justiça e da libertação.

5- Discernimento
Diante das situações internas e externas, se faz necessário ter uma atitude permanente de discernimento, pessoal e em equipe, para ver por onde o Espírito nos encaminha na missão.

6- Os excluídos como “sujeitos”
Os excluídos na Amazônia, conforme nossa percepção, têm rosto indígena, ribeirinho e urbano. São os que vivem à margem das instâncias de poder das elites atuais que não reconhecem seu valor, sua dignidade e cidadania. Acreditamos neles como “sujeitos” da sua caminhada, da sua história e da sua libertação. É mais: queremos que o nosso olhar, nossa preocupação principal e o nosso carinho, sejam primeiro para aqueles que são excluídos dentre os excluídos. Queremos isto porque sabemos que eles ocupam o lugar privilegiado no coração de Deus.

7- Origem, Centro e Finalidade
A espiritualidade que buscamos para a Equipe Itinerante, tem como origem o Deus da Vida e da História, tendo como centro os Excluídos na Amazônia, e tem como finalidade a Justiça do Reino, a Vida verdadeira e integral de tudo o que compõe o planeta e o cosmo como um todo. Tudo está entrelaçado.

II- Espiritualidade da Comunidade Itinerante

1 – Opção Livre
A espiritualidade da Equipe Itinerante é comum a todos/as. A opção de fazer parte da Comunidade Itinerante, é livre. Quem participa da Comunidade, pretende estar em sintonia afetiva e efetiva com a vida simples das pessoas, a quem nos propomos servir, que são: Marginalizados Urbanos, Ribeirinhos, Indígenas.

2- Relação entre Comunidade e Missão
A Comunidade existe como meio e apoio referencial para o desempenho da Missão. É uma comunidade que vive em tensão entre o “estar juntos” e “estar dispersos”. Ela se realiza, antes e fundamentalmente, na unidade do serviço, pela oração e amizade de cada membro.

3- Inspiração Trinitária
É a Trindade que fundamenta o espírito comunitário. A pessoa , o projeto e a prática de Jesus Cristo – Verbo Encarnado e Bom Samaritano (Fil. 2, 1-13; Lc.10,29-37 )- aponta o rumo que buscamos. Somos pessoas bem diversificadas culturalmente e pertencemos a congregações e estilos de vida diferenciados. Com esta diversidade, estamos dispostos/as a colocar em comum nossos sonhos e desejos de uma vida fraternal que possa testemunhar nossa filiação com Deus Uno e Diverso.

4– Discernimento
Queremos cultivar a ternura na vigilância cotidiana das mútuas relações e acontecimentos por meio do discernimento pessoal e comunitário, auto-avaliando e avaliando-nos, para sintonizar com a Vontade de Deus.

5- Fraternidade e Inculturação
Para desenvolver o processo de aproximação e identificação com os empobrecidos e excluídos das sociedades, compreendemos que devemos morar no meio deles, formar uma comunidade fraterna que favoreça o processo de encarnação que nos propomos viver.

6- Unidade, Partilha e Festa
O que reúne, unifica e aponta o estilo de vida da Comunidade, que buscamos, é o projeto cristão do grupo dos Apóstolos e Discípulos/as de Jesus Cristo. “Pai, que todos sejam um... para que o mundo creia” (Jo.l7,21). Buscamos a união de ânimos e corações entre nós e com os demais para viver esta unidade e comunhão (At 4,32). Buscamos a partilha dos bens, do dinheiro e dos dons de cada um (At 2,44-45). Aprendemos com os povos indígenas que “a vida é casa comum”. Buscamos celebrar juntos a nossa fé e a nossa vida, integrados com as lutas, sofrimentos e esperanças do povo com quem caminhamos e vivemos por meio da confraternização, da oração, da Palavra e da Eucaristia (At 2,42). É isto que sustenta a nossa proposta de vida fraterna e comunitária.

7- Complementaridade e Co-responsabilidade
Os grande e famosos rios são formados por uma infinidade de pequenos e diferentes igarapés de cores diversas. Ao se dar o encontro das águas, sua beleza é indescritível. Eles vão seguindo na direção dos grandes rios, e estes, ao oceano. O rio maior não se orgulha do seu tamanho, pois sabe ser alimentado pelos pequenos. Se os pequenos rios secarem, o grande rio morre com todos seus seres . Assim é a comunidade mista e multidimensional. Ela exige relações de complementaridade e co-responsabilidade. Exige não aparecer apenas como indivíduo mas existir como comunidade.

8- O Diálogo é o Caminho
Para construir esta Comunidade é importante integrar uma espiritualidade da escuta e do diálogo transparente, sincero e fraterno, entre nós e com aquelas pessoas que Deus envia para esta missão.

III- Método da Equipe Itinerante

1 – No Ritmo da Canoa
Queremos realizar a itinerância remando, navegando e caminhando como caminha, rema e navega o povo que tem esperança e que se compreende portador de qualidades e também de limitações, que avança, estabiliza e às vezes até retrocede, mas está sempre a caminho. Saber caminhar no “passo do povo” ou no “ritmo da canoa”, nem atrás e nem à frente, mas ao lado, é ter uma atitude de companheirismo, irmandade e escuta que tem como resposta a resistência e vivência junto dele para o que der e vier.

2 – Praxis e Teoria: os dois remos da canoa
A articulação entre praxis e teoria são indispensáveis neste processo. Assim como uma canoa, para avançar no rumo certo e chegar ao lugar desejado, precisa dos dois remos sincronizados, assim também, teoria e praxis precisam estar articulados de modo permanente nesta caminhada. Na praxis, é preciso ver com o coração, e isso se dá pela a proximidade com as pessoas e os acontecimentos no cotidiano. Na teoria se vê com a razão. Para isso, se faz necessário um relativo distanciamento, para a compreensão das coisas essenciais que devem ser elevadas a conceitos e que possam contribuir para acelerar o processo de humanização da vida.

3 – Ir ao Encontro
É uma atitude de sair, itinerar para fora de si mesmo, de nossa visão das coisas, de nossas instituições e dos grandes centros. Indo ao encontro dos Marginalizados Urbanos, Indígenas e Ribeirinhos. Por isso, para realizar este trabalho, somos uma só Equipe, organizada em três sub-equipes.

4– Estar Com, Onde e Como ...
Trata-se fundamentalmente de uma presença solidária e eficaz, onde o conflito e a morte ameaçam a vida do povo nas encruzilhadas e fronteiras da vida.
“Estar com quem ninguém quer estar; Estar onde ninguém quer estar; Estar como ninguém quer estar”. - Pe. Pepe H., S.J -

5- Ouvir mais que Falar e Fazer
Dar atenção, ouvir e ser solidário/a com os/as que não conseguem, se quer, caminhar no “ritmo da canoa”, que na maioria dos casos, nem canoa possuem, quer dizer: não faz parte e nem estão ligados/as a nenhuma religião, igreja ou qualquer outra instituição, associação ou movimento organizado. Com estes, principalmente, queremos partilhar do caminho e da sorte.

6- Parceria com os pobres
Acreditar na força da união dos fracos e em suas iniciativas populares, muitas vezes enraizadas na tradição cultural de cada povo. Apoiar e valorizar as pequenas formas de organização e iniciativas sempre originais de resistência e sobrevivência cotidiana que caminham, muitas vezes, paralelas aos grandes projetos governamentais elaborados pelas elites ou por lideranças voluntárias e/ou personalistas.

7- Parcerias afins
Tecer parceria com movimentos organizados da sociedade, igrejas, Ongs e acedêmicos afinados com a causa da Justiça, do Direito e da Continuidade e Preservação da Vida no planeta e na Amazônia em particular.

8- Registrar a Memória
Registrar, na medida do possível – escrito (relatório) e visual (fotografia), etc - esta história não oficial, com a própria fala do povo, prenhe de sentido, resistência e força. Registrar também nossa percepção de tudo que vemos, ouvimos e falamos, para que possa se tornar matéria de estudo e reflexão da equipe como um todo.

Alguns documentos que nos inspiram e motivam a continuar nossa missão:


O Profeta Itinerante
Liberdade de Mestre